Ditadura Militar e o Advento da Nova República

17/05/2010 10:03

INTRODUÇÃO

 

            Assim que derrubaram Jango, o Alto Comando Militar assumiu o governo. Para legitimar seu poder, os militares decretaram no dia 9 de abril de 1964 o Ato Institucional número 1 (AI-1). Com ele, começou-se a cristalizar a forma ditatorial com que os militares podiam cassar os direitos políticos daqueles que eram considerados inimigos da “revolução”; estabeleceu-se eleições indiretas para presidente e suspendeu-se os direitos constitucionais por 6 meses.

            No dia 11 de abril de 1964, o Congresso aceitou o nome do Marechal Humberto Castelo Branco, líder golpista, para ocupar o cargo de presidente da República. No mês de junho do mesmo ano, foi criado o Serviço Nacional de Informação – SNI -, órgão de espionagem do governo para combater a subversão política.

            Mesmo com a perseguição política às lideranças sindicais, estudantis e a membros do Legislativo, houve esforço da sociedade civil em contestar as arbitrariedades praticadas dia a dia pelos militares e, num segundo momento, por grupos paramilitares.

            Assim, após o golpe de 1964, continuou existindo mobilização popular em torno de propostas políticas e sociais. Em 1968, o movimento estudantil ganhou uma dinâmica própria, e manifestações artísticas transformaram-se em foco de resistência ao regime, notadamente a música e o teatro.

1. O GOLPE DE 31 DE MARÇO DE 1964 E AS LEIS 5.540/68 E 5.692/71

 

            A ditadura militar durou 21 anos. Iniciou-se em 31 de março de 1964 com o golpe que depôs o presidente João Goulart e teve seu fim com a eleição indireta de Tancredo Neves e José Sarney em janeiro de 1985.

            O período ditatorial serviu de palco para o revezamento de cinco generais na Presidência da República, se pautou em termos educacionais pela repressão, privatização de ensino, exclusão de boa parcela das classes populares do ensino elementar de boa qualidade, institucionalização do ensino profissionalizante, tecnicismo pedagógico e desmobilização do magistério através de abundante e confusa legislação educacional.

            A chamada “Revolução de 64”, nunca foi uma revolução, ou seja, não ocorreu um movimento desencadeador de uma alteração da estrutura da sociedade brasileira. Houve uma alteração superestrutural caracterizada por um rearranjo na sociedade civil e na sociedade política com a ascensão de diferentes e novas frações da classe dominante ao comando do aparelho governamental.

            O título “ditadura militar”, no início rejeitado pelo governo, que queria se fazer passar por uma democracia, o próprio general João Batista Figueiredo utilizou-se do termo e chamou o regime de 64 de ditadura militar.

            A ditadura não foi exercida pelos militares; ela foi exercida pelo pacto entre a tecnoburocracia militar e civil com a burguesia nacional e as empresas multinacionais.

            O golpe foi produzido no sentido de provocar uma mudança política que, ao invés de causar alteração no regime econômico.

            A contradição existente nos anos 50 e inicio da década de 60 era justamente a seguinte: no âmbito da superestrutura ideológica, o Estado respirava o clima do nacionalismo desenvolvimentista. A política econômica do governo não seguiu a esteira do nacionalismo desenvolvimentista, mas optou sim pela abertura do país ao investimento estrangeiro.

            Após o crescimento industrial dos “anos JK”, os criadores das Reformas de Base procuraram deslocar para o pólo popular no sentido de exercer maior influência sobre os mecanismos de distribuição de renda.

            O PTB foi endossando as teses das esquerdas no sentido de promover reformas que viessem a melhorar as condições de vida da população trabalhadora. O PSD acabou nos braços da UDN e favoreceu o isolamento do governo e o conseqüente golpe militar que derrubou o presidente Jango. O golpe de 64 veio ajustar a ideologia ao modelo econômico do Estado brasileiro.

            Antes de 1964, principalmente durante o governo JK, iniciou-se um processo de acumulação acelerada de capital. Houve euforia generalizada: a economia se desenvolveu, o índice de emprego aumentou nos grandes centros urbanos, as organizações sindicais conseguiram reajustar os salários próximos ao custo de vida.

            Uma vez concretizada a etapa da industrialização do país, o proletariado urbano através de suas lideranças, passaram a reivindicar maior participação nos benefícios provindos do desenvolvimento.

            O regime liberal garantido pela Constituição de 1946 possibilitou a mobilização e a organização dos trabalhadores. Já nos anos 60, o proletariado e parcelas do campesinato passaram a pressionar o governo no sentido de atender reivindicações salariais e promover reformas sociais.

            A burguesia industrial, e o proletariado urbano, no inicio dos anos 60, demonstravam que o crescimento dos conflitos sociais iria quebrar o pacto que sustentava a aliança PSD-PTB.

            O golpe de 64 retirou do governo as frações da burguesia que, cediam espaços para as classes populares no gerenciamento da sociedade política.

            Uma vez iniciado o novo regime, a tecnoburocracia militar e civil acabou obtendo o controle exclusivo da sociedade política, racionalizando e ordenando a economia no sentido de favorecer o processo de acumulação e centralização do capital.

            A burguesia industrial passou, após 64, a ser tutelada pela tecnoburocracia militar e civil. Tal característica colaborou no processo de internacionalização da economia.

            As reformas do ensino no período ditatorial corresponderam a um esforço dos grupos no chamado pacto político autoritário em alinhar o sistema educacional.

            Os intelectuais do processo de elaboração dessa legislação (Lei 5.540/68 – Reforma Universitária – e a Lei 5.692/71 – institucionalização do 2º grau) começaram uma atuação antes mesmo do golpe, visando obter a direção moral, intelectual e ideológica da sociedade no sentido de preparar e legitimar a tomada do poder governativo.

            As frações da burguesia procuravam ganhar hegemonia na sociedade civil que deveria servir para o ataque final: o golpe de 31 de março. Os grupos sociais conservadores, criaram “partidos ideológicos” como o Comando Geral dos Trabalhadores (CGT), a União Nacional dos Estudantes (UNE), e outras similares.

            “Partidos ideológicos” como o Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES) e o Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD), desempenharam eficiente atuação no sentido de aplanar o terreno para o braço militar desfechar o golpe contra a ordem legal.

            Após 64, vários “partidos ideológicos” de direita continuaram suas atividades, ligados à sociedade política, inclusive com verbas públicas.

            Os intelectuais do IPES visaram fornecer subsídios para a institucionalização da legislação educacional. O objetivo do Instituto resumiu-se na tentativa de unir capitalistas, numa frente de combate ao projeto de Reformas de Base.

            O IPES centrou sua atuação no meio universitário e operário, buscou extirpar do país a ideologia nacionalista-desenvolvimentista e substituí-la pela nova ideologia correspondente aos interesses golpistas – a ideologia do “desenvolvimento com segurança”.

            Antes de 64, o IPES dedicou-se às questões do ensino. No final dos anos 60, o IPES responsabilizou-se diretamente pela organização de fóruns sobre educação.

            A ditadura militar sufocou as organizações da sociedade civil, e chamou para o seu controle os aparelhos privados de hegemonia. Assim o próprio governo, por lei, institui anualmente Conferências Nacionais de Educação, convocadas pelo MEC e freqüentadas por dirigentes do ensino. Foram realizadas quatro dessas conferências entre 1965 e 1968. A Quinta Conferência não se realizou por impedimentos do governo, que passou a temer as vozes discordantes à política educacional. O IPES voltou a atuar com mais ênfase e em 1968 organizou um fórum com a denominação “A Educação que nos convém”. O fórum do IPES declarou ao público todos os planos governamentais estudados e articulados por tecnocratas brasileiros.

            Entre junho de 1964 e janeiro de 1968 foram firmados doze acordos MEC-USAID. A ótica dos acordos MEC-USAID era a mesma dita pelo ministro do Planejamento do governo Castelo Branco, em 1968, no fórum do IPES.

            O ministro Roberto Campos, em palestra sobre “Educação e desenvolvimento Econômico”. Sugeriu, um vestibular mais rigoroso as áreas do 3º grau não atendentes às demandas do mercado. Segundo suas próprias palavras, um ensino que, “não exigindo praticamente trabalhos de laboratório” deixava “vácuos de lazer”, que estariam sendo preenchidos com “aventuras políticas”.

            O ensino médio, segundo Campos, deveria atender à massa, o ensino universitário deveria continuar reservado às elites. O ensino secundário deveria ganhar conteúdos com elementos utilizados no dia-a-dia.

            O desenvolvimento econômico sob o capitalismo exigiu a implantação da “paz social”. O sistema educacional deveria, “não despertar aspirações que não pudessem ser satisfeitas” (segundo palavras dos próprios generais-presidentes da época). De fato, foram de órgãos centralizados e fechados que brotaram as Leis 5.692/71 e 5.540/68.

 

2. A REFORMA UNIVERSITÁRIA E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO ENSINO PROFISSIONALIZANTE NO 2º GRAU

 

            Observando os 21 anos de ditadura militar pode-se dividir o período em três etapas. Uma primeira etapa corresponde aos anos dos governos dos generais Castelo Branco e Costa e Silva (1964-1969); uma segunda etapa abrange o governo da Junta Militar e do general Garrastazu Médici (1970-1974): finalmente o terceiro momento compreende os governos dos generais Ernesto Geisel e João Batista Figueiredo (1975-1985).

            As reformas do ensino foram elaboradas durante o primeiro período, implantas praticamente no segundo (no caso da Lei 5.692/71) e evidenciadas como desastrosas no terceiro.

            A ditadura militar, sob o vácuo deixado pela destruição das entidades que incitavam os movimentos de educação popular, criou o Movimento Brasileiro de Alfabetização (1967) que, para se fazer passar por eficaz, chegou mesmo a dizer que poderia utilizar-se do “método Paulo Freire desideologizado”. Isso era um absurdo, dado que o método Paulo Freire não poderia conviver com uma educação que não conscientizasse a partir da constatação e denúncia do modelo econômico concentrador de renda que atingiu justamente a clientela do MOBRAL.

            Paralelamente a este “cuidado especial” para com os movimentos educacionais extra-rede escolar, a ditadura militar montou, a partir da orientação dos acordos MEC-USAID, uma reorganização legislativa brasileira.

            É preciso lembrar que a reforma universitária promovida pela Lei 5.540/68 nunca foi aceita pelos setores progressistas e não chegou a empolgar nem mesmo as parcelas da comunidade acadêmica. O contrário se deu com a reforma do ensino de 1º e 2º graus promovida pela Lei 5.692/71, que foi acolhida com entusiasmo por boa parcela do professorado que se atiraram num frenesi pela concretização das determinações da nova legislação.

            Ao tomar a presidência da República, os golpistas trataram logo de criar a “nova ordem”. Daí a decretação do Ato Institucional nº1 (AI-1) que afirmava, textualmente, que “os chefes da revolução vitoriosa, graças à ação das Forças Armadas e ao apoio inequívoco da Nação, representam o povo e em seu nome exercem o Poder Constituinte, de que o povo é o único titular”. O país entrou num período onde as palavras perderam completamente o significado real.

            Uma vez instaurado o governo Castello Branco, começou a repressão aos movimentos. Em relação aos políticos, o processo de aniquilamento começou pela cassação dos direitos políticos, em relação aos estudantes e aos operários a prisão e a morte não foram fatos raros.

            A preocupação do governo com o movimento estudantil teve suas razões. Uma vez desmanteladas as entidades da sociedade civil que sustentavam o clima nacionalista do regime anterior ao golpe, sobrou, como reduto ideológico do reformismo nacionalista-desenvolvimentista radical, a universidade. As esquerdas e as forças liberais-progressistas, desativadas no meio político institucional e no meio operário, recolheram-se, para o movimento estudantil.

            Os estudantes, mesmo vivendo sob a ditadura, insistiram numa antiga bandeira: a reforma universitária.

            A universidade tornou-se, um pólo de resistência ao regime ditatorial. Tal resistência se transformou em ação quando, em 1968, várias faculdades foram tomadas pelos alunos que instalaram cursos-pilotos, procurando estabelecer regras de autogestão na condução administrativa e pedagógica dos estabelecimentos de ensino. O governo Costa e Silva percebeu que as medidas tomadas não eram suficientes para conter a onda de protestos e, utilizando-se do velho raciocínio de promover reformas que se adiantam à organização da clientela interessada em mudanças, tratou de criar o Grupo de Trabalho da Reforma Universitária (GTRU).

            O general Costa e Silva designou os membros do GTRU. O grupo formou-se com os nomes de Roque Spencer Maciel de Barros, Valnir Chagas, Newton Sucupira, Fernando Ribeiro do Val, Fernando Bastos de Avila e João Paulo dos Reis Velloso. Foram nomeados também dois estudantes que se recusaram a participar.

            Ao dar inicio à preparação do documento que acabou criando o projeto de lei da reforma universitária, o GTRU contou com os seminários e fóruns realizados pelo IPES, com os estudos provindos do Relatório Atcon e pelo Relatório Meira Matos.

            Rudolph Atcon era membro da Agency for International Development (AID), e, em 1966, através de uma publicação do MEC, expôs em linhas gerais o que os acordos MEC-USAID sugeriam a reformulação e modernização da universidade brasileira. De acordo com suas próprias palavras, fazia-se necessário “conseguir a formação do espírito cívico e da consciência social, conforme os ideais do desenvolvimento pacifico de respeito aos direitos humanos e de justiça social”.

            Meira Matos era coronel da ESG. Juntamente com os professores Hélio de Souza Gomes e Jorge Boaventura de Souza e Silva, o promotor Affonso Agapito da Veiga e o coronel-aviador Waldir Vasconcelos, do Conselho de Segurança Nacional, compuseram a Comissão que deveria intervir na crise universitária e propor soluções. O que orientava o pensamento deles era a Teoria Geral da Administração de Empresas (Taylor-Fayol) aplicadas ao ensino, provindas dos relatórios dos técnicos americanos que, após o golpe de 31 de março, passaram a transitar pelos corredores palacianos ao lado da tecnoburocracia civil e militar brasileira.

            O GTRU não fugiu das determinações elaboradas sob o espírito da Comissão Meira Matos, do Relatório Atcon, dos documentos do IPES e, principalmente, - dos acordos MEC-USAID. Encaminhou seu relatório geral a um grupo de ministros do general Costa e Silva e, em 7 de outubro de 1968, transformadas em Mensagem Presidencial, as conclusões do GTRU deram entrada na ordem do dia do Congresso Nacional.

            O Congresso Nacional estava totalmente mutilado pelas ondas de cassação e pelas restrições autoritárias impostas pelo Executivo. A mensagem Presidencial da Reforma Universitária entrou no Congresso junto com outras sete mensagens que deveriam ser discutidas em regime de urgência (40 dias), caso contrário, seriam aprovadas por decurso de prazo.

            Nesta época os partidos já haviam sido extintos. Treze partidos legais, viu a democracia instituída em 1946, foram simplesmente apagados da realidade com uma penada. O AI-2 destruiu o antigo sistema partidário e criou o bipartidarismo com a Aliança Renovadora Nacional (ARENA), o partido situacionista, e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), como oposição consentida.

            O MDB teve dificuldades no inicio, de atuação, dada sua condição artificial de oposição. A oposição real no âmbito político acabou sendo exercida entre 1966 e 1968 pela Frente Ampla.

            O capital internacional reservou ao regime militar tarefas mais profundas do que a da satisfação das ambições de políticos populistas de direita, que apoiaram inicialmente o golpe. O regime tratou de cortar as expectativas desses elementos de vir a exercer qualquer comando na sociedade política. Dentro desse contexto surgiu a Frente Ampla, que reuniu inimigos superiores do passado em torno dos objetivos de redemocratização. Em abril de 1968 o governo considerou as atividades da Frente Ampla como ilegais. Os generais mostraram que não queriam sombras ameaçadoras. Sombras somente eram bem-vindas as confortáveis, proporcionadas pelos oligopólios industriais e financeiros que passaram a se enriquecer com os desmandos da tecnoburocracia militar e civil.

            Em outubro de 1968, quando o projeto de reforma universitária chegou ao Congresso, a oposição consentida, estava ainda mais solitária e impotente. De um lado, as esquerdas agiam mais no âmbito extra parlamentar do movimento estudantil, de outro, as grandes lideranças populistas que poderiam se opor à ditadura militar que estavam paralisadas com o fechamento da Frente Ampla.

            O golpe se fez para dar continuidade ao modelo econômico. A industrialização, feita sob o comando do capital internacional em associação ao capital nacional, pautou-se pela expansão de uma produção de bens-de-consumo duráveis. Não houve interesse em proporcionar a expansão de bens de consumo popular, a não ser para a exportação. O país passou a necessitar de uma crescente classe média, que viesse a consumir os bens duráveis. Contudo o desenvolvimento capitalista brasileiro se deu no sentido de um aumento de concentração de renda, bloqueando os canais “naturais” capazes de ampliar a classe média.

            O ensino superior passou a significar a chance de alguns setores crescerem socialmente e, de outros, a de não descerem com tanta velocidade. A reforma universitária direcionava-se no sentido de democratização do ensino superior.

            A lei 5.540/68 criou os departamentos e a matricula por disciplina, instituindo o curso parcelado através do regime de créditos. Adotou-se o vestibular unificado e classificatório, o que eliminou com um passe de mágica o problema dos excedentes (aqueles que, apesar de aprovados no Vestibular, conforme a média exigida, não podiam efetivar a matrícula por falta de vagas). De fato, o problema da democratização do ensino superior foi “resolvido” pela ditadura militar com o incentivo à privatização do ensino. Aparentemente simples tais medidas provocaram, ao longo dos anos, uma profunda alteração na vida universitária e na qualidade do ensino.

            Antes da reforma, o curso, e não o departamento, era o vinculo básico da universidade tanto para professores como para alunos. A departamentalização veio acabar com a união entre ensino e pesquisa. Sob o espírito do modelo universidade-empresa, explicito nos acordos MEC-USAID, criou-se um aumento da burocracia que inviabilizou a agilidade da vida universitária.

            A departamentalização criou a mentalidade empresarial dentro das escolas. Decorreu dela a matricula por disciplina, o regime de créditos e institucionalização do curso parcelado.

            Os velhos princípios de taylorização sustentaram o sistema do parcelamento do trabalho na universidade. A racionalidade, eficiência e produtividade, desejadas em qualquer empresa, foram exigidas da universidade. A conseqüência disso foi à inevitável fragmentação do trabalho escolar e, a impossibilidade de organização estudantil.

            Da analise feita até aqui, duas questões ficaram no ar. Em primeiro lugar, afirmamos que a política educacional do governo militar descontentou até mesmo as frações da burguesia e das classes médias que apoiaram o regime militar. Em segundo lugar, ainda não respondemos por que, professores e estudantes repudiaram a reforma universitária e acolheram a reforma dos 1º e 2º graus.

            Em 1966, apareceram explicito orientações no sentido da profissionalização no ensino médio. A Lei 5.692/71 veio justamente implementar a profissionalização para o ensino secundário.

            A Lei 5.692/71 nasceu de um projeto elaborado por um grupo de trabalho instituído em junho de 1970. O país passava pela época de euforia da classe média com o “milagre econômico”, ao mesmo tempo em que o presidente general Garrastazu Médici incentivava o terror militar e paramilitar, prendendo, assassinando e torturando as lideranças de esquerda que ousavam promover protestos contra a ditadura.

            O regime de 64 superou todas as expectativas de duração e de exacerbação do autoritarismo. O movimento de 64 se caracterizou por uma usurpação do poder governativo, pois derrubou um presidente legitimamente eleito pelo voto direto e referendado, por plebiscito. A partir de 1968, o regime passou a apresentação de seu caráter de “tirania sectária”.

            O fechamento da Frente Ampla no inicio de 1968 foi complementado, com a edição do AI-5 em 13 de dezembro de 1968, e do Decreto-lei 477 em fevereiro de 1969. O ano de 1968 chegou ao seu término sustentando um saldo de fortes protestos contra a política econômica do governo e contra a repressão política. O MDB, ainda fraco das pernas, procurou se colocar como oposição de fato.

            A própria Constituição de 67, foi praticamente posta de lado pelos artigos de AI-5 que permitiram ao Executivo decretar recesso no Congresso Nacional, nas Assembléias Legislativas e nas Câmaras de Vereadores; que permitiram a suspensão dos direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de dez anos e a cassação de qualquer mandato eletivo. Segundo o AI-5, o presidente da Republica poderia, confiscar os bens daqueles que tivessem enriquecido ilegalmente. O povo brasileiro tornou-se de um dia para o outro, culpado, sem, no entanto saber que crime cometera.

            O Decreto-lei 477 estendeu a repressão e o terror governamental às redes de ensino. O artigo primeiro desse Decreto denominou “infração disciplinar” de professores, alunos e funcionários dos estabelecimentos de ensino público e particular, o “aliciamento e incitamento à greve”; o seqüestro; o uso do recinto escolar para “fins de subversão”.

            Em agosto de 1969, a doença do general Costa e Silva proporcionou a luta pela presidência. Segundo o texto constitucional de 1967 o governo deveria ficar sob a direção de Pedro Aleixo, que era o vice-presidente da República. Pedro Aleixo, por não ter concordado com a edição do AI-5, tornou-se inaceitável pelos militares da “linha dura”. Um colégio de 104 generais optou pelo nome do general Emílio Garrastazu Médici para a presidência da República. Consumou-se, então, o golpe dentro do golpe.

            Desde a doença do general Costa e Silva, quem governava era, uma entidade que se autodenominava Sistema. O Serviço Nacional de Informações (SNI) passou a estender seus tentáculos por todas as instituições, confirmando que a Segurança Nacional era a segurança pessoal dos militares e tecnocratas testas-de-ferro do capital internacional.

            Em resposta às atrocidades da ditadura militar, a juventude militante dos partidos comunistas e outras organizações de esquerda, decidiram pela resistência armada. O insucesso das organizações de esquerda deveu-se, à mudança do quadro econômico e à inauguração do período do “milagre brasileiro”.

            Os dois primeiros governos da ditadura militar trouxeram mudanças significativas nas relações de trabalho. Inaugurou-se uma nova política salarial, ou seja, o combate aos surtos inflacionários se fez basicamente com o arrocho salarial do operariado.

            Fazendo baixar sobre o mundo do trabalho a tão desejada (pelos empresários) “paz social”, o governo inaugurou uma política de contenção de créditos e de incentivo aos investimentos empresariais, prejudicando as pequenas empresas e favorecendo as grandes, promovendo assim a concentração do capital.

            A partir de 68, a economia nacional, após vários anos submetida à recessão com o desemprego campeante, com baixa capacidade produtiva e mão-de-obra barata, foi facilmente mobilizada. As indústrias concentraram-se na produção de bens-de-consumo típicos das camadas de renda mais elevadas, o que possibilitou um crescimento econômico. Viveu-se então o “milagre brasileiro”.

            Após 1972 o “milagre” começou a mostrar sua verdadeira face. A baixa qualidade da mão-de-obra, a criação de um mercado centrado no consumo dos setores sociais mais ricos, os limites tecnológicos da indústria e as mudanças do mercado mundial que acabaram impondo restrições à economia brasileira voltada para a exportação; tudo isto compôs um quadro de dificuldades para a economia brasileira. Começou a derrocada do “milagre econômico” e o inicio da vantagem da tecnocracia da ditadura.

            As tentativas de implantação da nova LDB se deram justamente nos anos de maior repressão e, os professores, transformaram-se em verdadeiros arautos do governo na implantação da Lei 5.692/71. A LDBEN de 1961 permaneceu treze anos no Congresso e nasceu velha. A LDB de 1971, veio à luz como queria o governo, tanto que não sofreu nenhum veto presidencial.

            A Lei 5.692/71 incorporou os objetivos gerais do ensino de 1º e 2º graus expostos nos “fins da educação” da Lei 4.024/61. Tais objetivos diziam respeito à necessidade de “proporcionar ao educando formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania”.

            A Lei 4.204/61 refletiu princípios liberais vivos na democracia relativa dos anos 50, enquanto a Lei 5.692/71 refletiu os princípios da ditadura, no sentido do trabalho escolar e na adoção do ensino profissionalizante no 2º grau.

            Na Lei 5.692/71 os anteriores curso primário e ciclo ginasial foram agrupados no ensino de 1º grau para atender crianças e jovens, ampliando a obrigatoriedade escolar de 4 para 8 anos. O objetivo desse grau do ensino foi redigido assim: “o ensino de 1º grau destina-se à formação da criança e do pré-adolescente em conteúdo e métodos segundo as fases de desenvolvimento dos alunos”. A nova legislação deixou por conta do Conselho Federal de Educação (CFE) a fixação das matérias do 1º grau. O Conselho Federal de Educação fixou as matérias fazendo desaparecer a divisão entre Português, História, Geografia, Ciências Naturais etc., e colocando no lugar “Comunicação e Expressão”, “Estudos Sociais” e “Ciências”.

            O 2º grau tornou-se profissionalizante. O CFE, através do parecer 45/72 relacionou 130 habilitações técnicas que poderiam ser adotadas pela escola para seus respectivos cursos profissionalizantes. Mais tarde essas habilitações subiram para 158. É claro que os colégios particulares souberam desconsiderar toda essa parafernália “profissionalizante”. Preocupadas em propiciar o acesso ao 3º grau, desconsideraram tais habilitações e continuaram a oferecer o curso colegial à universidade. As escolas públicas obrigadas a cumprir a lei, foram desastrosamente descaracterizadas.

            Não foram colocados recursos humanos e materiais para transformar toda uma rede de ensino nacional em profissionalizante.

            Mas o equivoco maior da Lei 5.692/71 não foi ainda trazido à tona. Tendo transformado todo o 2º grau em profissionalizante acabou desativando, a Escola Normal, transformando o curso de formação de professores de 1ª a 4ª série na “Habilitação Magistério”, que na prática passou a ser reservada aos alunos que, por suas notas mais baixas, não conseguiam vagas nas outras habilitações que poderiam encaminhar para o 3º grau.

 

3. O FRACASSO DA POLÍTICA EDUCACIONAL DA DITADURA

 

            Em 1986, o governo do general Figueiredo, colocou no tumulo a profissionalização obrigatória do ensino do 2º grau. O 2º grau se livrou da profissionalização obrigatória, mas, ficou sem características próprias.

            O fracasso da política que instituía a profissionalização obrigatória no ensino, não se deu somente pelas impossibilidades técnicas, materiais e financeiras para sua implantação. O entendimento desta questão passa pela observação do processo de “abertura política” iniciado após 1974.

            Após o declínio do “milagre” a oposição ao regime militar voltou a crescer. Os partidos clandestinos, pouco puderam influenciar na luta pela redemocratização. Todavia o MDB serviu de canal para a manifestação da insatisfação popular. Em 1974, para as eleições ao Senado, o MDB derrotou a ARENA em 16 Estados da Federação.

            O governo do general Geisel continuou desenvolvendo o terrorismo, assassinando e torturando opositores ao regime. A anunciada “distensão política” terminou com novo fechamento do Congresso (1977). O general Geisel utilizou-se do fechamento do Congresso (14 dias) para criar a figura do Senador “biônico”, eleito de forma indireta, visava garantir para a ARENA a maioria no Senado. Mas este foi o ultimo desenvolvendo o terrorismo, assassinando e torturando opositores ao regime.

            Parcela cada vez maior da burguesia começou a se distanciar de seus parceiros tecnocratas civis e militares, passando a apostar na possibilidade de vir a exercer o controle da sociedade política num regime mais democrático.

            O fortalecimento da sociedade civil levou a burguesia a apostar na democracia. As frações da burguesia brasileira eram, e ainda são autoritárias, pois dependeram sempre do poder ditatorial para efetivar o processo de apropriação do excesso econômico. Diferentemente, a burguesia industrial, pode optar por uma redemocratização, em que os trabalhadores vendem sua força de trabalho e os capitalistas as suas mercadorias.

            As frações menos autoritárias da burguesia brasileira, começaram a migrar para o MDB, disputando hegemonia pelo controle do partido.

            Ao governo restou a negociação política e os “casuísmos” para tentar dividir a oposição que cresceu. Mudou-se, a legislação partidária, na tentativa de dividir o MDB. Foram criados vários partidos: PDS (governo), PTB (apêndice do governo), PDT, PT, PP e PMB (oposições).

            Esse quadro político, regado pela inquietação do país com as pressões dos capitalistas internacionais que continuaram a exigir o pagamento da divida externa acumulada pelos desmandos, corrupções e incompetências dos governos pós-64, levou a ditadura militar a perder o apoio da burguesia liberal.

            As elites, utilizando-se da sigla do PMDB para a Campanha pelas Eleições Diretas, forçaram uma saída e, pela via do Colégio Eleitoral pôs fim ao regime militar. Aconteceu, a eleição indireta de Tancredo Neves e José Sarney com o apoio de todos os partidos de oposição (exceto o PT) e até de parcela do PDS. Finalmente a burguesia passou a controlar sem mediadores a sociedade política.

            A Lei 7.044/82 do general Figueiredo, foi o reconhecimento publico da falência da política educacional da ditadura e a demonstração de que as atitudes e planos tecnocráticos haviam de fato “colocado” o governo numa situação de distanciamento com a maior parte da sociedade, até mesmo as classes dominantes.

            O ultimo governo da ditadura militar viu-se numa situação constrangedora: governou em nome da burguesia e contra o povo, e acabou distante dos dois. A idéia da profissionalização obrigatória no ensino de 2º grau, nunca interessou a ninguém.

            Os tecnocratas da ditadura advogaram e implementaram o ensino profissionalizante obrigatório baseados na Teoria do Capital Humano onde o país deveria fazer progredir a qualidade da mão-de-obra nacional através de uma rede de ensino voltada para a capacitação técnica do trabalhador.

            Porém o mercado capitalista passou, a precisar mais do trabalhador possuidor de conhecimentos gerais e menos de trabalhadores que, teriam adquirido uma suposta formação técnica muito específica.

            Da parte dos empresários, o ensino profissionalizante não provocou interesse. Pelo contrário, para as grandes empresas seria até melhor que a escola pública continuasse nos moldes anteriores à legislação que instituiu o ensino profissional obrigatório (Lei 5.692/71).

            Para os trabalhadores o ensino profissionalizante, lhes tirou a oportunidade de estudo aprofundado necessários para a vida urbana, para o trabalho, para a cidadania e para uma melhor participação na vida sindical e política do país.

            Não só as classes fundamentais se viram prejudicadas com a institucionalização do ensino profissional obrigatório. Também às classes médias, pois para tal segmento social o ensino de 2º grau deveria continuar preparatório à universidade.

            O ato do general Figueiredo, que extinguiu a profissionalização obrigatória, não demonstrou apenas o reconhecimento da falência de política educacional da ditadura militar; Foi um exemplo de reconhecimento tardio do distanciamento do governo de todos os setores sociais.